Boletim Informativo nº 142 | Dez. 2010

Água e energia (e clima e produção de alimentos)

O mundo enfrenta desafios cruciais nos domínios do clima, da água, da energia e da alimentação que apresentam um profundo e complexo grau de interconexão e que, por isso, não podem ser enfrentados de forma dissociada. A alteração de equilíbrios ou a correcção de desequilíbrios em qualquer uma destas áreas tem reflexos directos nas restantes. Nesta tetralogia as interacções entre a água e a energia assumem particular destaque.

De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), cerca de 2% a 3% da produção de energia primária e 16% da electricidade consumida no mundo tem origem em aproveitamentos hidroeléctricos. Os valores para a Europa e Portugal são semelhantes. 

À contribuição da hidroelectricidade para a produção energia há que somar o papel da água no arrefecimento de centrais termoeléctricas, na sinergia com a crescente produção em parques eólicos e, num plano mais vasto, o papel dos recursos hídricos na produção de biomassa que, em conjunto com o aproveitamento de resíduos, é fonte de cerca 10% da produção de energia primária no mundo (6% na Europa e 13% em Portugal).

No futuro, o papel da água no sector energético tenderá a reforçar-se com a aposta no aumento da produção de energia a partir de fontes renováveis (não emissoras de gases com efeito de estufa) e com o aumento da percentagem de energia final consumida na forma de electricidade. A AIE prevê que, em 2020, a percentagem de energia consumida no mundo sob a forma de electricidade aumente dos actuais 17% para 20% e que, em 203, a produção de energia primária a partir da água se situe entre 2,4% e 3,4%. A UE tem como objectivo para 2020 uma percentagem de 20% no consumo de energia final produzida a partir de fontes renováveis, cerca do dobro do que se regista actualmente.

O sector da água continuará a contribuir para estes objectivos com os meios tradicionais, mas também com a produção de biogás em estações de tratamento de esgotos (ETAR’s). Num estudo realizado para a EPA, estima-se que se a totalidade das mais de 500 ETAR’s de maior dimensão e que operam digestores anaeróbios instalassem esquemas de co-geração poderiam disponibilizar 340 MW de potência instalada e evitar 2,3 MtCO2 de gases com efeito de estufa.

 

A opção por biocombustíveis é outra aposta, embora polémica, numa forma de energia renovável onde a água assume um papel relevante. A aposta na produção de biocombustíveis em quantidade suficiente para reduzir de forma significativa o uso de combustíveis fósseis, poderá conduzir a conflitos importantes de partilha da água, se essa produção vier a ocorrer em áreas áridas. Em menor grau esse potencial conflito também poderá se estender à partilha de solo para produção de alimentos.
Mas o sector da água é também consumidor de energia, sobretudo nas áreas da captação, tratamento e distribuição de água potável e da drenagem, tratamento e descarga de águas residuais. O aquecimento de água para uso doméstico é também responsável por um significativo consumo de energia. A dessalinização de água do mar ou águas salobras, se utilizada em grande escala, assim como a captação e bombagem para uso agrícola são também outras áreas onde o consumo de energia pode ser significativo.

De acordo com dados da EPA, nos Estados Unidos da América são utilizados anualmente cerca de 56 GWh no fornecimento de água potável, o que corresponde a uma emissão de 45 milhões de tCO2eq de gases com efeito de estufa. Uma outra estimativa da DEFRA indica que a indústria da água no Reino Unido é responsável por 1% do total emissões de gases com efeito de estudo do país. Adicionalmente, o aquecimento da água para uso doméstico é responsável por 35 milhões de tCO2eq, o que corresponde a mais de 5% do total do país.

Estes valores revelam a necessidade de conciliar as políticas públicas nos sectores da água e da energia. O sector água tem um papel a desempenhar não só na produção de energia não emissora de gases com efeito de estufa, mas também no uso racional e eficiente da energia. E também nas estratégias para o clima e para a produção de alimentos.

Rodrigo Proença de Oliveira
Vice Presidente da APRH

 


 

 

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