Boletim Informativo nº 145 | Dez. 2012

Agricultura: o grande utilizador de água em Portugal
Realidades e desafios

Em termos nacionais, o sector Agrícola é responsável pela utilização de 75 a 80% do volume de água doce consumido, distribuindo-se o restante pela indústria e pelo consumo urbano. Este facto é, muitas vezes, apontado como uma acusação ao sector, pois “quem utiliza tanto, só pode estar a desperdiçar”. Mais do que a “fatia” que a Agricultura representa na utilização total deste importante e escasso recurso, interessa sobretudo tentar perceber “como o utiliza” e “com que efeitos económicos, sociais e ambientais o faz”.

Em primeiro lugar, um breve nota sobre a questão da escassez da água. Segundo informação do INAG, relativa a 2001, em Portugal apenas se utilizavam cerca de 20% dos recursos hídricos disponíveis. É verdade que esta utilização era feita com consideráveis níveis de ineficiência, estimando-se as perdas globais para a Agricultura em cerca de 40%. Dez anos passados, segundo o mesmo INAG, os níveis de ineficiência tinham diminuído para 37%. Olhando para o futuro, a APA, no programa de implementação do PNUEA 2012-2020, aponta como objectivo reduzir as perdas de água na Agricultura para os 35%.

Pessoalmente, estou convencido que, com o investimento adequado, será possível ultrapassar esta meta. E digo-o baseando-me na extraordinária performance que a agricultura de regadio percorreu neste domínio, ao longo da última década: reduziu o volume global de água utilizado em cerca de 33%, ao mesmo tempo em que a produtividade económica da água de rega (medida com base no VAB/m3 de água, calculado a preços constantes de 2006) subia mais do que 30%! E Tudo isto graças a quê? Sobretudo graças a dois factores: ao “abandono” de algumas áreas regadas de diminuto potencial produtivo, e à evolução tecnológica que foi possível assimilar nas áreas regadas, fruto de um forte investimento (público e privado) neste domínio.

Esta realidade concretiza de forma excepcional o desafio da eficiência, lançado este ano pelo World Business Council for Sustainable Development (cf. Water Scenarios for 2020): “less drops, more value per drop anda more drops for less”.

Retomando a questão da escassez, importa distinguir o conceito de escassez física de um recurso (insuficiência física de água para as necessidades existentes) do conceito da sua escassez económica (traduzido pelo custo necessário a dotar uma determinada região de água suficiente para as suas necessidades). E a este respeito, é importante que fique claro, como acima referi, que em Portugal não existe escassez física de água - anualmente utilizamos apenas 20% dos recursos hídricos disponíveis no país. Existem, isso sim, questões pontuais, passiveis de ser ultrapassadas, investindo na sua captação e armazenamento, e impondo práticas de gestão eficiente e sustentável.

A questão do uso sustentável da água em Portugal (garantindo a satisfação das necessidades atuais, sem hipotecar a satisfação das necessidades das gerações vindouras), não passa, portanto, pelo “não uso da água”, nem, tão pouco pela limitação cega aos investimentos na sua captação, armazenamento e distribuição, como o pretende, na sua proposta de reforma da PAC (componente Desenvolvimento Rural), a Comissão Europeia. Bem pelo contrário.

 

 

A agricultura, num território como o nosso, para ser sustentável, tem que ter um forte peso do regadio. Mesmo a manutenção de certos sistemas de sequeiro, tão importantes para a preservação de alguns habitats, só é possível com a existência de mais e melhor área regada: muitos agricultores, só se podem “dar ao luxo de perder dinheiro em certas áreas de sequeiro”, porque têm áreas regadas a gerar o cash-flow necessária à viabilidade das suas explorações. Acresce que o nosso país, tal como a Europa em que nos queremos situar, necessitam da Agricultura: porque esta gera riqueza, porque gera emprego, porque gere o território, porque promove o desenvolvimento social e porque contribui para a segurança alimentar. Para além de tudo, o regadio é uma das poucas formas eficazes de, a curto prazo, promover a adaptação da ocupação do território rural às alterações climáticas.

No meu entender, a articulação positiva entre mais regadio e maior sustentabilidade (ambiental, económica e social) no uso da água reside nos três aspectos seguintes: investimento na captação, qualificação tecnológica do utilizador e qualidade de políticas públicas de regulação do uso. Se a necessidade de investimento é óbvia, contribuindo para a redução das percas nos sistemas de captação e distribuição, a qualificação tecnológica do regante é igualmente uma necessidade. Do meu ponto de vista, começa a justificar-se que não possa regar quem quer, mas apenas quem sabe. O conhecimento que já hoje existe sobre esta matéria, junto dos agricultores e das suas associações (e que permitiu a extraordinária performance no aumento da produtividade da água a que atrás fiz referência) tornam possível associar o apoio a novo investimento em regadio à garantia de elevados níveis de eficiência na utilização da água. Finalmente, as políticas públicas de regulação do uso da água são essenciais, pois podem dotar de inteligência acrescida a regulamentação que, em Portugal, emana da lei da água.

Não queria terminar sem enfatizar o papel fundamental do regadio no desenvolvimento socio-económico das regiões rurais. A atestá-lo, encontram-se os dados apurados num estudo desenvolvido em 2004 : as regiões rurais nas quais o regadio tem maior peso caracterizam-se por apresentar um menor decréscimo da população residente, uma maior densidade demográfica, um menor envelhecimento, um maior nível de qualificação profissional, um maior nível de poder de compra e uma menor dependência do emprego agrícola.

Tenhamos a coragem, em termos nacionais, de perceber que apenas podemos gerir de forma adequada os recursos que utilizamos. E que o regadio é o factor decisivo para que a agricultura portuguesa possa cumprir aquilo que o futuro dela exige: garantir a produção de Alimentos e de Bens Públicos, que a sociedade preza, mas ainda não encontrou forma de remunerar, de forma direta, os seus principais produtores, que são os agricultores e, entre eles, os de regadio.

Francisco Gomes da Silva
Professor do Instituto Superior de Agronomia, Departamento de Ciências e Engenharia dos Biossistemas; Coordenador de Projectos na Agroges, Sociedade de Estudos e Projectos, Lda.

 

 

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