Boletim Informativo nº 146 | Março 2013

As redes de monitorização como instrumentos imprescindíveis ao conhecimento e gestão dos recursos hídricos

O Planeamento e a Gestão dos Recursos Hídricos assentam na disponibilidade de informação de base sobre os meios hídricos. A informação necessária é bastante diversificada, abrangendo grandezas meteorológicas, hidrológicas, de qualidade da água e de morfologia dos meios hídricos (superficiais, subterrâneos, interiores, de transição e costeiros), bem como de parâmetros caracterizadores do estado ecológico.

No caso da gestão de fenómenos extremos ou acidentes de poluição essa informação tem que estar acessível em tempo real, através do recurso a teletransmissão de dados para diferentes centros de decisão.
Foi justamente durante as cheias do ano hidrológico de 1995/96, que se seguiram a um dos períodos de seca mais severos no território continental (1990-1995), que foi sentida a necessidade de revitalizar as redes de medição das grandezas hidrometeorológicas, dotando-as de maior autonomia de funcionamento e de capacidade de teletransmissão de dados em pontos estratégicos. Nestes últimos incluíam-se, para além dos pontos de vigilância e alerta do sistema de previsão de cheias e de gestão de albufeiras (SVARH), os pontos de controlo do regime de caudais proveniente da assinatura da Convenção Luso-Espanhola efetuada em novembro de 1998.

Durante os anos de 1996 a 1998 foram testados equipamentos em diversos pontos onde a informação era mais premente e onde a harmonização de procedimentos seria beneficiada. Como resultado de um processo devidamente estudado e testado estabeleceram-se os cadernos de encargos dos concursos que permitiram generalizar, para todo o território continental, os esquemas de recolha e de transmissão de dados e proporcionar em Portugal, no início do século XXI, uma rede de pontos de controlo e apoio à gestão de recursos hídricos das mais modernas da Europa e do Mundo.

Foi com a operação dessas redes que se conseguiram não só prever cheias e adequar as respostas à minimização das suas proporções e impactos como também definir as ações de combate à seca e apoiar ainda a prevenção e combate aos incêndios florestais, dada a disponibilização de sensores meteorológicos (de humidade relativa, temperatura e velocidade do vento) em lugares também estratégicos.

A disponibilização dos dados provenientes do sistema de monitorização, para além de facilitar o acesso de qualquer cidadão à informação ambiental e a transmissão de informação para a Comissão Europeia, contribui ainda para o desenvolvimento de estudos e projetos de iniciativa privada e de investigação universitária, bem como para a fundamentação de exames periciais em processos de contencioso envolvendo prejuízos ou fatalidades nos tribunais.
Durante oito anos foi mantido o serviço de manutenção e inspeção periódica dos equipamentos, com verbas cada vez mais reduzidas. No ano de 2008 o Instituto da Água (INAG), que detinha então a responsabilidade no domínio da manutenção e exploração de redes para apoio à gestão dos recursos hídricos, foi confrontado com a total ausência de verbas para esse efeito no segundo semestre quando, ademais, se tornava necessário fazer um novo reapetrechamento da generalidade dos equipamentos, alguns com cerca de 10 anos.

O levantamento que se havia feito, quer quanto a necessidades de alertas diferenciados para as ações da Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) e para o INAG (com inclusão de novos data loggers e adequação do sistema de comunicações com custos de transmissão menos onerosos), quer quanto à substituição de equipamentos necessários à própria funcionalidade da rede, foi em 2008 vertido num caderno de encargos para uma candidatura do Programa Operacional de Valorização do Território (POVT) que se pretendia apresentar conjuntamente com a ANPC dado o INAG não poder ser beneficiário dentro do eixo de financiamento de sistemas de informação para controlo de riscos e a baixa prioridade que o projeto tinha face às demais candidaturas da ANPC.

 

 

Importa em qualquer caso referir que este reapetrechamento da rede de monitorização e alerta de recursos hídricos garantiria, não só a reoperacionalização do sistema, como o vocacionaria para novos desafios futuros decorrentes, entre outros, da legislação comunitária para cheias ― que obriga a uma diminuição da vulnerabilidade dos cidadãos expostos a esse risco ― e dos novos desafios colocados pelos cenários de mudanças climáticas. Estava ainda vocacionado para dar apoio na deteção e mitigação de acidentes de poluição.
Na falta de uma solução estruturada e estruturante de âmbito nacional para o problema da recolha e divulgação de informação sobre recursos hídricos, e isto após um investimento de cerca de 13 M€ em 10 anos, restaram soluções de recurso para os meses de inverno, mais propícios a situações de cheia. Nesse sentido foram feitos no final de 2008 e, de novo, no final de 2009, pequenos contratos de manutenção de três a quatro meses que possibilitaram identificar os pontos de maior degradação a nível de equipamentos de medida (uma percentagem significativa decorrente de roubo ou vandalismo) e alguma reposição e reoperacionalização de estações de medida mais prioritárias.
Durante dois anos (2010 e 2011) os equipamentos foram-se degradando mais; alguma manutenção dispensada neste período foi assegurada por uma única equipa interna do INAG, insuficiente para a totalidade da rede de medição de cerca de 1000 aparelhos espalhados pelo território continental. Foi dada prioridade para as estações de controlo dos fluxos de caudal junto à fronteira e das estações de “inventário” para o estado sinótico dos recursos hídricos a nível mensal.
Ainda em setembro 2010 foi lançado um novo concurso de “Reabilitação e Operacionalização das Estações Automáticas das Redes de Monitorização Hidrometeorológicas”. Este concurso foi lançado com a expectativa de durante 2011 o INAG obter condições de admissão como beneficiário nas candidaturas de financiamento POVT Eixo III, o que de facto viria a ocorrer em 24 de março de 2011.
Com a integração do INAG e das cinco Administrações de Região Hidrográfica (ARH) na Agência Portuguesa do Ambiente (APA), este novo organismo elegeu de imediato como objetivo estratégico fundamental para os próximos anos um tema diretamente ligado à recolha de informação para a vigilância e alerta de cheias: a diminuição do risco de sujeição das populações (seus bens, suas infraestruturas e seu meio-ambiente) a fenómenos extremos de origem hidrometeorológica e a acidentes ou falhas de gestão hídrica.

A APA assumiu como desafio refazer um sistema de informação capaz de repor as funcionalidades do passado, dotando-o ainda de novas funcionalidades a nível da gestão de emergências, que advêm das necessidades adicionais entretanto levantadas e dos avanços tecnológicos havidos.

A APA está agora numa posição ímpar para implementar um novo Sistema de Vigilância e Alerta de Recursos Hídricos (SVARH).
Em resultado da falta de investimentos nos últimos anos, a deteriorização da rede existente agravou-se. Será assim necessário reformular diversos aspetos operativos já que, através de um levantamento sumário realizado no subsistema munido de teletransmissão, mais de 70% da rede está inoperacional, sendo que os 30% remanescentes carecem de ser substituídos por novos equipamentos mais modernos, com menores consumos de energia, com maior capacidade de armazenamento e transmissão de dados e maior fiabilidade de comunicações aliadas a menores custos operação do sistema.

E não mais será possível menosprezar a manutenção e exploração das redes, como se verificou no passado, deixando a situação chegar aos níveis críticos que se vieram a observar. E isto pelo valor essencial da informação para a gestão dos recursos hídricos nos seus mais variados aspetos, como referido no presente texto, mas também pela falta de racionalidade do “abandono” de um investimento que atinge alguns milhões de euros.
Em conclusão refere-se a experiência brasileira neste domínio: parte significativa do valor das taxas de recursos hídricos é reinvestida na manutenção e exploração das redes de medição de recursos hídricos, possibilitando uma gestão apoiada em conhecimento e uma fiscalização mais eficaz. A monitorização do estado do ambiente é desde há muito considerada condição sine qua non para a gestão sustentada e eficiente dos recursos naturais..

Manuel Lacerda, Nuno Lacasta, Rui Rodrigues, Cláudia Brandão, Manuela Saramago, APA, I.P.

 

 

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