Água para reutilização na agricultura

A nível global, fatores como o rápido crescimento populacional, o aumento significativo do consumo de água nas várias utilizações económicas, o aumento da poluição das massas de água (superficiais e subterrâneas), e as mudanças nos padrões climáticos têm gerado uma procura crescente pelos recursos hídricos disponíveis, com o objetivo de produzir alimentos, energia e matéria-prima para a indústria. Este nível de procura obriga a procurar e recorrer a fontes de água alternativas, como por exemplo, reutilização da água de rega e as águas residuais tratadas, atualmente designadas por Água para Reutilização (ApR).

Em Portugal, embora não se verifiquem exactamente as mesmas condições descritas acima, o tema da ApR é incontornável.

A possibilidade de utilizar ApR, prevista pelo Decreto-Lei n.º 119/2019, de 21 de agosto, como parte do ciclo hidrológico é uma evidência da contínua adaptação do ser humano ao meio ambiente, que poderá ajudar a minimizar os problemas de escassez de água nas zonas semiáridas, adaptar ao cenário de alterações climáticas e contribuir também para resolver um problema ambiental, associado ao impacto nocivo que a descarga das águas efluentes, provenientes da atividade humana, têm no meio natural (solo e recursos hídricos).

O Decreto-Lei define o regime jurídico da produção de água para reutilização e estabelece que as águas residuais tratadas devem ser reutilizadas sempre que possível, de modo a diminuir a pressão sobre os recursos hídricos. Este normativo legal prevê que as águas residuais devem ter um tratamento adequado ao fim a que se destinam e promove a análise do risco da sua utilização (perigo) , tendo em vista a proteção dos recetores através da utilização de barreiras de segurança no tratamento e barreiras físicas para reduzir o contacto com as pessoas e minimizar os riscos de degradação do meio ambiente.

Dentre as possíveis utilizações que são dadas à água residual tratada, o sector agrícola tem um peso considerável. O uso ambiental, especialmente as funções de recarga de aquíferos e   recuperação de áreas húmidas, e os usos recreativos (especialmente campos de golfe), urbanos (e.g. rega de espaços verdes) e industriais, são outras possíveis utilizações dadas às ApR.

Diz-se que o uso de água residual tratada na agricultura é uma opção para o futuro, aumentando a viabilidade técnica e económica das culturas em muitas áreas onde a agricultura é a atividade principal mas, atualmente, é frequente ocorrerem períodos de escassez de água severos.

Em Portugal, de facto existem regiões, como o Alentejo e Algarve, onde a escassez de água é uma realidade, e onde a agricultura é a principal atividade económica ou tem enorme relevância, sendo atualmente o Alentejo uma das regiões com maior área de regadio coletivo público, com relevante contributo para a riqueza do país. Tendo em conta que nesta região é onde simultaneamente existe uma forte atividade agrícola, e onde o clima é classificado como semiárido, seria nesta região que a utilização de ApR poderia ter uma maior expressão na resolução da falta de água. No entanto, é uma região com baixa densidade populacional, onde os volumes de ApR não conseguem suprir as necessidades das culturas. Portanto a utilização desta água está muito condicionada aos volumes existentes, podendo ser usada apenas como rega de complemento e, naturalmente, desde que tenha a qualidade adequada ao tipo de produção agrícola.

Apesar da importância da procura por fontes de água alternativas e a ApR apresentar vantagens, é necessário refletir sobre alguns desafios sobre a sua utilização na agricultura, de forma a avaliar a sua exequibilidade. Assim sendo, deverão ser ponderados os seguintes fatores:

  • os custos associados ao apropriado tratamento da água, que obriga a um nível de tratamento superior ao secundário, o que necessariamente onera o custo da água, tornando este custo muito superior ao custo atual, pondo em causa a viabilidade das culturas;
  • os custos associados ao transporte rodoviário ou através de condutas extensas e de grandes diâmetros (da ETAR, normalmente junto dos grandes núcleos urbanos, até ao utilizador final-exploração agrícola, espaço rural);
  • os custos e a definição da solução para armazenar a água tratada, sem a sua posterior degradação (o regime de produção de ApR não coincide com as necessidades hídricas da campanha de rega, com excepção do caso do Algarve);
  • os custos energéticos para atender à diferença de cotas entre o ponto de produção das ApR e do consumidor agrícola e, ainda, à necessidade de pressurização, que permite ganhos na eficiência hídrica;
  • a dificuldade em abastecer áreas dispersas que correspondem ao mosaico da ocupação culturas do território, padrão que permite responder à atual realidade e às exigências ambientais;
  • a necessidade de capacitar os agricultores para utilizar as ApR;
  • a necessidade de adaptar os sistemas de rega, nomeadamente as filtragens, que deverão estar preparados para a qualidade da água da ApR (risco de entupimento dos sistemas de distribuição e de aplicação da água nas parcelas);
  • os custos associados à excessiva burocratização administrativa e envolvência de inúmeros organismos da administração pública nos processos de licenciamento.

Face aos vários desafios, o Centro Operativo de Tecnologias para o Regadio (COTR), em parceria com entidades empresariais e de investigação, participa em dois projetos de reutilização de águas residuais, o REUSE e o AQUA-VINI Sustentável, liderados pela Agda – Águas Públicas do Alentejo, S.A., financiados pelo Fundo Ambiental.

Estes projetos, permitirão contribuir para o aumento do conhecimento técnico sobre a reutilização de água na rega agrícola, os efeitos desta aplicação no desenvolvimento das culturas regadas e o impacto nos recetores ambientais solo e recursos hídricos, ajudando a ultrapassar os receios associados à falta de informação sobre ApR.

Neste âmbito, o COTR integrou ainda o Regional Working Group do projeto SuWaNu cujo objetivo é impulsionar a inovação e a transferência de conhecimento na Europa sobre reutilização segura e económica de águas residuais tratadas em agricultura (https://suwanu-europe.eu/).

O envolvimento de equipas multidisciplinares e o desenvolvimento de projetos desta natureza, são essenciais para responder aos desafios da utilização de ApR na agricultura, permitindo, igualmente, informar os consumidores para não desvalorizarem os produtos agrícolas regados com ApR, demonstrando que estes não colocam em perigo a saúde pública nem o ambiente.

Comissão Especializada de Água, Agricultura e Florestas (CEAAF)

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