Uma contribuição para o debate que se impõe sobre disponibilidades e usos da água

Portugal sofre neste ano hidrológico hoje uma seca grave, com os valores de precipitação a situarem-se francamente abaixo das médias históricas. No final de fevereiro, o valor acumulado da precipitação desde o início do ano hidrológico era apenas de 40 % do valor histórico. Mas esta seca é temporária, como o são todas as secas.

Mais grave, é a situação de escassez hídrica que tem vindo a acentuar-se em certas regiões de Portugal, e genericamente em torno do Mediterrâneo, e que deverá a agravar-se ao longo deste século. A escassez hídrica é uma situação de longo prazo em que a procura de água para os vários usos se aproxima do valor das disponibilidades de água. Emerge, sobretudo, do aumento da procura de água e da diminuição das disponibilidades, em resultado das alterações climáticas. A sua reversão exige uma discussão mais profunda sobre o modelo de desenvolvimento que pretendemos para o nosso país e o empenhamento de toda a sociedade para selecionar e executar as medidas que, sendo necessárias, são difíceis de adotar dado os seus impactos socioeconómicos.

O estudo Avaliação das disponibilidades hídricas atuais e futuras e aplicação do índice de escassez WEI+, encomendado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) a um consórcio de empresas, composto pela Nemus, Bluefocus e Hidromod, teve por objetivo quantificar a atual situação de escassez e antecipar possíveis cenários futuro, face às projeções de aumento da temperatura, diminuição da precipitação, e diminuição das disponibilidades hídricos superficiais e subterrâneas, assim como do aumento da sua variabilidade inter-anual e sazonal.

O estudo oferece um conjunto consistente de estimativas de disponibilidade e usos de água, cobrindo Portugal e Espanha, com uma resolução especial adequada para a gestão da água. Nos últimos 20 anos a precipitação em Portugal e Espanha diminuiu cerca de 15% e a disponibilidade de água cerca de 20%. Prevê-se que esta tendência se acentue e que a disponibilidade de água diminua entre 10 a 25% até ao final do século. São atualmente captados em Portugal cerca 6000 hm3/ano, excluindo os volumes utilizados nos aproveitamentos hidroelétricos. A agricultura é responsável por 70% deste volume, seguindo-se o abastecimento à população (13%), a termoeletricidade (9%) e a indústria (6%). O índice de escassez WEI+ atinge valores acima de 0.5 em certas bacias hidrográficas. As bacias hidrográficas do Sado e do Mira e a região do Algarve são as mais preocupantes.

Tão importante como os resultados alcançados, é a plataforma de informação e de modelação que foi desenvolvida e que permite aperfeiçoar as estimativas apresentadas, sempre que novos dados sejam obtidos ou que novas estimativas estejam consensualizadas. O estudo identificou de forma clara um conjunto de lacunas e incertezas de dados que é importante colmatar nos próximos anos, sendo por isso previsível que alguns resultados venham a ser atualizados. Iniciou-se também um processo de consulta pública que pode vir a sugerir afinações nos valores apresentados.

O diagnóstico obtido permite já avançar com a importante discussão sobre as alternativas disponíveis para lidar com a situações de escassez hídrica que atinge certas regiões do país. Será necessário controlar a procura de água, aumentando a eficiência do uso da água, eliminando desperdícios, e avaliando criteriosamente pretensões de potenciais novos usos. Precisamos, sobretudo, de assegurar coerência nas políticas públicas para os vários setores, para que as condicionantes de disponibilidade de água sejam tidas em conta, logo quando são propostos novas políticas ou projetos de desenvolvimento.

Do lado da oferta de água, é possível melhorar a gestão integrada de origens superficiais e subterrâneas de água, construir alguma infraestrutura ainda em falta, ou desenvolver soluções até agora pouco exploradas em Portugal, como a dessalinização ou a reutilização de águas residuais. Estas últimas são por vezes apresentadas como as soluções do futuro, mas não são soluções milagrosas, com possibilidade de aplicação em qualquer situação. O seu custo tem vindo a descer, mas ainda condiciona a utilização destas soluções na satisfação de usos que exigem grandes volumes de água. Acresce que a água dessalinizada está disponível junto à costa e a água tratada junto a centros urbanos. O seu transporte para usos situados no interior ou longe dos centros urbanos tem custos energéticos que condicionam o seu uso.

Os cenários de escassez que enfrentamos exigem análises especificas para cada região ou bacia hidrográfica. Adotando uma abordagem integrada, será possível identificar o conjunto mais adequado de soluções que permita satisfazer o bem estar social e económico de cada região, dentro dos limites impostos pela disponibilidade de água.

Para atingir este objetivo será preciso evoluir, transferindo a atual atenção sobre o aumento da eficiência hídrica para a melhoria da eficiência económica do uso da água. A eficiência hídrica é definida pela razão entre o volume de água efetivamente utilizado e o volume de água captado em rios ou aquíferos, ignorando, por isso, o valor económico acrescentado que o uso da água proporciona. A escassez que enfrentamos recomenda que se abandonem os usos que proporcionem menos benefícios económicos e sociais. Não é uma decisão fácil e exige a análise de todos os benefícios proporcionados pelo uso da água, não só os benefícios diretos, mas também os benefícios indiretos ou secundários, tais como a integração territorial e os serviços dos ecossistemas.

Em síntese, precisamos de colocar a água no centro da discussão publica sobre as nossas opções de desenvolvimento. O debate deve ser informado pelos especialistas em recursos hídricos, mas todos estão convocados para esse processo de tomada de decisão.

Rodrigo Proença de Oliveira
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