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Volume 14, Issue 3 - September 2014

 

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Revista de Gestão Costeira Integrada
Volume 14, Número 3, Setembro 2014, Páginas 429-446

DOI: 10.5894/rgci482
* Submission: 3 JAN 2014; Peer review: 12 FEB 2014; Revised: 28 APR 2014; Accepted: 24 JUN 2014; Available on-line: 17 SEPT 2014

Pescadores Artesanais e pressão imobiliária urbana: Qual o destino dessas comunidades tradicionais? *

Artisanal Fishermen and urban real estate pressure: What is the destiny of these traditional communities?

Ismael Xavier de Araújo @, 1, Roberto Sassi 2,
Eduardo Rodrigues Viana de Lima 1, 3


@ - Corresponding author: [email protected]
1 - Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-Graduação Geografia - PPGG (Doutorado), Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Cidade Universitária - Campus I, 58059-900 João Pessoa, PB, Brasil. e-mail: <[email protected]>
2 - Universidade Federal da Paraíba, Departamento de Sistemática e Ecologia, Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Cidade Universitária - Campus I, 58051-900 João Pessoa, PB, Brasil. e-mail: <[email protected]>
3 - Universidade Federal da Paraíba, Departamento de Geografia, Centro de Ciências Exatas e da Natureza. Cidade Universitária - Campus I, 58059-900 João Pessoa, PB, Brasil. e-mail: <[email protected]>


RESUMO
Este trabalho surge da necessidade de se lançar outros olhares científicos para analisar as comunidades tradicionais de pescadores artesanais, nesse caso, do Litoral Paraibano, Nordeste do Brasil, que já não são mais camponesas, mas que, em parte, ainda possuem vínculos com a pesca, de forma direta ou indireta. Nessas comunidades de pescadores artesanais, a pesca, para muitos, já não se apresenta como atividade econômica principal, e sim secundária, ou até esporádica. A diminuição na quantidade de pescados por causa da sobrepesca e da degradação ambiental, como também o processo de urbanização do Litoral Paraibano, inserido no contexto nacional brasileiro, geram pressão imobiliária sobre as comunidades tradicionais e as modificam. Esses são fatores a serem considerados para se diagnosticar os problemas existentes e tentar apontar possíveis soluções e estratégias de ação, seja pelo Poder Público ou por organizações não governamentais. O objetivo deste trabalho é analisar o processo de urbanização e a pressão imobiliária sobre as comunidades tradicionais de pescadores artesanais nas Praias da Penha e Tambaú, no município de João Pessoa, e em Praia de Lucena, em município homônimo. Em Tambaú e Lucena, a pressão imobiliária urbana sobre as comunidades tradicionais de pescadores artesanais começou na década de 1970. Na praia da Penha, esse processo está ocorrendo na atualidade. Para este trabalho, é adotado o materialismo histórico como método de interpretação da realidade, e a pesquisa participante como método de pesquisa, dentro de uma abordagem qualitativa. Como procedimento de pesquisa, é utilizada a pesquisa em profundidade. Isso implica em dialogar de forma mais extensa com algumas pessoas consideradas relevantes, por suas atividades e seu comprometimento com a atividade pesqueira. Por ser um trabalho de geografia urbana, a pergunta central dos diálogos desenvolvidos nesse tipo de entrevista foi: Como o processo de urbanização vem modificando as comunidades tradicionais de pesca? Os assuntos que fomentaram a discussão foram: Processo de urbanização e mudanças no cotidiano dos pescadores artesanais; Pressão imobiliária em comunidades tradicionais; Desenvolvimento local integrado como possibilidade de permanência da comunidade, ou seja, de não expropriação do espaço geográfico pelo capital; E ainda algumas possibilidades postas numa lógica de diálogo com o tema planejamento urbano, a fim de provocar a discussão na busca da totalidade. As respostas dadas pelos pescadores são sempre muito parecidas, ou até mesmo iguais, pois todos vivem ou vivenciaram o processo de urbanização de suas comunidades pesqueiras. Isso ocasionou mudanças para os/nos pescadores, com relação à moradia e ao interesse sobre onde e em que trabalhar. A incredulidade dos pescadores na melhoria das condições de trabalho e na qualidade de vida contribui para que esses profissionais não queiram que seus filhos sigam a profissão dos pais. Dizem os pescadores que o mar é perigoso; que é melhor para os filhos estudarem e se qualificarem em profissões disponíveis no espaço urbano, em que agora estão inseridos. Segundo os pescadores entrevistados, o saldo desse descontentamento é a diminuição, em cerca de 66%, do número de pescadores profissionais nos últimos 40 anos. O mestre de pesca Manuel, da Praia de Tambaú, calcula que há 40 anos havia cerca de 60 mestres de pesca, ou seja, capitães de barcos. Atualmente, há cerca de 20 mestres. Os entrevistados reclamam que os barcos são pequenos, com cerca de apenas 08 metros. A desorganização da atividade pesqueira, a falta de fiscalização nos repasses governamentais, a falta de acesso a crédito e o analfabetismo ou semi-analfabetismo do profissional contribuem significativamente para que essa atividade produtiva seja desinteressante para os familiares dos pescadores artesanais. Ao mesmo tempo, os pescadores da praia da Penha se encontram otimistas com a chegada de condomínios residenciais e com a possibilidade de vender sua produção pesqueira aos novos vizinhos, sem a necessidade de atravessadores. Mas, com o surgimento de novos postos de trabalho, também surge o temor de serem removidos, como ocorreu em Lucena e Tambaú. Por causa do processo de desterritorialização das comunidades tradicionais de pesca artesanal no Brasil, setores da sociedade civil organizada vêm se articulando para discutir e exigir do Governo Federal a regularização e demarcação dessas comunidades. Por isso, este artigo contribui para as reflexões sobre as comunidades de pescadores artesanais, a partir de temas como espaço urbano, moradia e possibilidades de emprego e renda para os pescadores artesanais, considerando a gestão costeira a partir da lógica do desenvolvimento local integrado. Para tanto, a discussão evolui considerando aspectos inter-relacionados ao tema, como turismo, cultura, pressão imobiliária e possibilidades de permanência dos pescadores em suas comunidades tradicionais. Nesse sentido, são propostas algumas diretrizes de cunho urbano para tratar de problemas que são urbanos, pois essas comunidades tradicionais, atualmente, estão inseridas nesse contexto. O espaço se transformou e precisa ser visto a partir de outros olhares. O esforço de desenvolver um trabalho sobre pescadores artesanais que não seja antropológico e etnográfico é motivado pelo interesse de ver profissionais de diversos campos do conhecimento se debruçando sobre essa temática que é significativa para a segurança alimentar de um país. O Brasil é um país com mais de 15 mil dispositivos legais (leis) desconhecidos pelo povo. Também possui quantidade elevada de ministérios federais (39 ministérios) e secretarias estaduais e municipais, geralmente desarticulados entre si e entre as colônias de pesca e associações de pescadores. Essa desorganização contribui apenas para os interesses econômicos de poucas pessoas, que se beneficiam desse suposto caos. Nesse cenário, há as comunidades tradicionais, muito pobres, e um sistema econômico capitalista agressivo. É nesse espaço de contradições socioespaciais que o pescador tradicional se encontra, marginalizado socialmente, economicamente e espacialmente. A Gestão Costeira Integrada deve considerar o processo de urbanização sobre as comunidades tradicionais de pescadores artesanais, pois o afastamento desses trabalhadores das praias, como também a não valorização da atividade pesqueira e de sua complexidade cultural, contribuem para a diminuição do número e da qualidade desses profissionais, relevantes para a segurança alimentar. Nessa perspectiva, a análise das comunidades de pescadores tradicionais deve contemplar estudos sobre equipamentos urbanos e instrumentos de política urbana significativos para os pescadores, que venham assegurar a visibilidade e a permanência desses trabalhadores em seus espaços geográficos.

Palavras-chave: Processo de Urbanização; Moradia; Planejamento Urbano; Pesca Artesanal; Desenvolvimento Local Integrado.

ABSTRACT
This work emerges from the need of analyzing the traditional communities of artisanal fishermen with other scientific eyes, more specifically on the coast of Paraíba, northeast of Brazil, which are no longer rustic, but in part, they still have direct or indirect ties with fishing. In these communities of artisanal fishermen, the fishing activity for many is no longer the main economic activity but a secondary or even a sporadic one. The decrease in the amount of fish caused by the overfishing and by the environmental deterioration as well as by the process of urbanization of the coast of Paraíba, inserted in the national Brazilian context, generate real estate pressure on the traditional communities and end up modifying them. These are factors that have to be considered to diagnose the existing problems and to try to identify the possible solutions and action strategies, be it through the government or non-governmental organizations. The objective of this work is to analyze the urbanization process and the real estate pressure on the traditional communities of artisanal fishermen at the following beaches: Praia da Penha and Tambaú, in the municipality of João Pessoa and in Praia de Lucena in the same municipality. In Tambaú and in Lucena the urban real state pressure on the traditional communities of artisanal fishermen started in the 1970s. In Praia da Penha this process is happening currently. The historical materialism was adopted as a method of reality interpretation and the participatory research was chosen as a research method, being part of a qualitative approach for this work. The in-depth research is used as a research procedure. This implies having a more extensive dialogue with some people considered to be more relevant because of their activities and commitment to the fishing activity. For being a work of urban geography, the central question of the developed dialogues in this method of interview was: how has the urbanization process been modifying the traditional fishing communities? The topics that promoted the discussion were: the urbanization process and the changes of the artisanal fishermen’s daily routine; the real estate pressure on the traditional communities; integrated local development as a possibility for the community to remain where they live, in other words, of not expropriating the geographical space by capital; and also some possibilities posed in a dialogue with the urban planning theme, in order to promote a discussion in search of the wholeness. The answers given by the fishermen are always very alike, or even the same, because all of them are experiencing or experienced the urbanization process of their fishing communities. This caused changes to the fishermen in relation to housing and the interest in where to work and what to work on. The disbelief of the fishermen in improvements of work conditions and in life quality contributes for these professionals not to want their children to follow their parents’ profession. The fishermen say that the sea is dangerous; that it is better for their children to study and qualify themselves for jobs available in the urban space, in which they are now inserted. According to the fishermen interviewed, the result of this discontentment is the decrease in approximately 66% of the number of professional fishermen over the last 40 years. The master fisher Manuel, of Praia de Tambaú, reckons that 40 years ago there were around 60 master fishers or boat captains. Currently there are approximately 20 masters. The interviewees complain about the boats being small, with only around 08 meters; the disorganization of the fishing activity, the lack of supervision on the allocation of government resources, the lack of access to credit and the illiteracy or semi-illiteracy of this professional contribute significantly for this economic activity to become uninteresting for the relatives of the artisanal fishermen. At the same time, the fishermen from the beach of Penha find themselves optimistic with the arrival of residential condominiums and with the possibility to sell their fisheries production to the new neighbors without the need of middlemen. However, with the arrival of new jobs, the fear of being removed, as it happened in Lucena and in Tambaú, also emerges. Because of the deterritorialization process of the traditional communities of artisanal fishing in Brazil, sectors of the organized civil society have been articulating themselves to discuss and demand from the federal government the regularization and demarcation of these communities. Therefore, this article contributes to reflections about the communities of artisanal fishermen as regards to themes such as urban space, housing and job possibilities and income for the artisanal fishermen, considering the coastal management from the logic of integrated local development. For that reason, the discussion evolves considering aspects that are interrelated to the theme, such as tourism, culture, real estate pressure and possibilities of the fishermen to remain in their traditional communities. Accordingly, some urban guidelines are proposed to address problems that are urban, because these traditional communities currently are inserted in this context. The space was transformed and needs to be seen from other eyes. The effort of developing a work about artisanal fishermen that does not have an anthropologic or ethnographic nature is motivated by the interest of seeing professionals of several fields of knowledge addressing to this theme which is significant for the food safety of a country. Brazil is a country with more than 15 thousand laws, unknown by its people. It also has a high quantity of federal ministries (39 ministries) as well as state and municipal departments, which are generally not articulated amongst themselves and neither among the fishery colonies and fishermen associations. This disorganization only contributes to the economic interests of few people that benefit themselves from this supposed chaos. In this scenario, there are the very poor traditional communities and an aggressive capitalist economic system. It is in this scope of social and spatial contradictions that the traditional fisherman finds himself, socially, economically and spatially marginalized. The Integrated Coastal Management should consider the urbanization process on the traditional communities of artisanal fishermen, because the distancing of these workers from the beaches as well as the non valuing of the fishing activity and of its cultural complexity contribute to the decrease of the number and of the quality of these professionals, who are relevant for the food safety. Under this perspective, the analysis of the traditional fishermen communities should contemplate significant studies on urban facilities and urban policy instruments for the fishermen, which will ensure the visibility and persistence of these workers in their geographic spaces.

Keywords: Urbanization Process; Housing; Urban Planning; Artisanal Fishing; Integrated Local Development.

 

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