Boletim Informativo nº 144 | Outubro 2011

Apontamentos sobre a sempre ingente questão das Administrações de Região Hidrográfica

O conceito de administração de recursos hídricos por região hidrográfica é conhecido e valorizado entre nós desde a criação dos Serviços Hidráulicos em 1892, com as suas direcções hidráulicas de bacia hidrográfica.

Durante cerca de um século a gestão da água obedeceu a um paradigma que pode ser descrito por duas frases: “nem uma gota de água deve correr para o mar sem ser aproveitada” e “todo o escudo aplicado em obras hidráulica é bem aplicado”. Prevalecia o desenvolvimento sobre a protecção e conservação da água e do ambiente, não apenas no plano nacional mas também no da gestão transfronteiriça, com expressão nas convenções luso-espanholas da década de 1960, que se circunscreviam ao aproveitamento do potencial hidroeléctrico dos troços fronteiriços dos rios internacionais.

Na fase de transição do antigo regime para o novo regime democrático este modelo entrou em crise e começou a ser contestado por vários profissionais do sector, com destaque para os autores de uma publicação que nos marcou a todos profundamente (Luís Veiga da Cunha e outros). A realidade é que aquilo que podemos admitir com alguma dose de indulgência que seria verdade na primeira metade do século XX, tinha deixado de o ser (impactes ambientais cumulativos crescentes e benefícios económicos marginais decrescentes). O momento mais marcante do corte com o passado foi a aprovação da Lei de Bases do Ambiente, Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, que previa a criação das ARH. A reforma da LBA era profunda e, no tocante à gestão de recursos hídricos, anunciava a adopção da gestão pelo lado da procura (o Estado regulador ambiental) em alternativa à gestão pelo lado da oferta que vinha das políticas de fomento de obras hidráulicas dos anos 50 (o Estado promotor de obras hidráulicas).

Quando em 2005 se concluiu a transposição da DQA para o direito português, foi decidido retomar o projecto de instalação das ARH que havia ficado em suspenso em 1990, e em consequência o trabalho de elaboração dos PBH sofreu uma solução de continuidade que teve como consequência o atraso de cerca de 3 anos que leva (e cujas consequências desastrosas ainda estamos para ver).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para nós a discussão ARH/DRARN está inquinada de preconceitos. A questão não está em saber se deve prevalecer uma lógica DQA (ARH) ou uma lógica IPPC (CCDR/DRARN), para dizer simplificadamente, uma vez que encontramos mérito em ambas (não por acaso encontramos bons exemplos de uma e outra solução em vários países da EU) e nenhuma coloca questões intransponíveis a uma boa gestão, assim sejam definidas as orientações estratégicas, tomadas medidas adequadas de planeamento e articulação administrativa e aos organismos sejam dados os meios necessários à execução das políticas (que a solução das ARH também não é perfeita fica demonstrado observando o que se passa na vizinha Espanha com as Confederações Hidrográficas, exemplo acabado de organismos promotores das velhas políticas hidráulicas). São essa articulação e essa visão que têm falhado sistematicamente.

A administração dos RH tem de ser pensada num quadro estratégico de duas entradas: a problemática mais geral da reforma da Administração Pública (e a escassez de meios financeiros com que nos debatemos), por um lado, e a problemática da organização da administração do ambiente e suas tarefas prioritárias (que aquela reforma pode colocar em causa), por outro. Mas a bandeira das ARH pelas ARH, porque é assim que deve ser, que não está provado, porque é assim que se faz nos países mais avançados, que não é verdade (ver os demais países da EU), porque é assim que se faz há um século em Espanha, que é um péssimo exemplo, é que não.

Soluções institucionais adequadas são condição necessária para o sucesso das políticas, mas não suficiente. A solução que nos foi apresentada reúne condições para garantir alguma estabilidade e continuidade com o que vem de trás (incluindo a conclusão no mais curto prazo dos PGBH), ao mesmo tempo que se enquadra na reforma da administração pública em curso sem perda evidente de eficácia. Ela responde de forma satisfatória à problemática da gestão dos recursos hídricos luso-espanhóis e garante uma abordagem integrada (vários componentes ambientais, IPPC) e combinada (respeita o continuum hidráulico, DQA) da gestão hidráulica e do ambiente, e por isso merece o nosso apoio.

Pedro Serra

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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