Boletim Informativo nº 144 | Outubro 2011

ARHs, para que vos quero…

O espaço que me foi concedido para desenvolver este texto solicitado pela APRH, impõe que me centre no que julgo ser o aspecto mais negativo da restruturação proposta pelo Governo no que toca ao sector da água.

Refiro-me à menorização do estatutoe à perda daautonomia das Administrações das Regiões Hidrográficas (ARHs) que foram criadas pela Lei da Água de 2005. É de notar que esta lei se deve considerar como histórica, por ter consagrado um conjunto de princípios que permitiram dotar Portugal de um instrumento estratégico, cuja falta desde há muito se fazia sentir. É uma lei dos nossos tempos capaz de ordenar, defender e promover os recursos hídricos nacionais de forma economicamente eficiente, socialmente equitativa e ambientalmente sustentável.

As ARH são, sem dúvida, as entidades nucleares da gestão da água, reconhecidas por lei como pessoas colectivas dotadas de autonomia administrativa e financeira. São entidades capacitadas para desenvolver e aplicar uma desejável política de proximidade com a água, junto dos cidadãos, dos agentes económicas e sociais e das autarquias. A experiência de vida das ARHs, ainda que limitada a três escassos anos, já conseguiu demonstrar a sua valia no relacionamento do poder político com os utilizadores da água e na capacidade de defender da melhor maneira os interesses do Estado e das populações relativamente à utilização da água. Tendo a seu cargo a cobrança das taxas de recursos hídricos, as ARHs asseguram, como entidades responsáveis pela regulação ambiental dos recursos hídricos, que as taxas constituam incentivos para uma eficaz gestão da água, favoreçam a aplicação do princípio do utilizador-pagador e assegurem a defesa dos recursos hídricos, tanto em quantidade como em qualidade.

A consagração da ARHs como expressão de modernidade da gestão da água em países com características geofísicas e administrativas como as que prevalecem em Portugal, foi assumida pela APRH desde a sua fundação há 35 anos. Durante estes anos decorreu, a nível nacional, um elaboradíssimo processo de reflexão sobre a criação das ARHs, envolvendo múltiplas comissões, sessões de reflexão e discussão, publicação de relatórios, livros, textos académicos e políticos em defesa das ARHs. Ao todo, milhares de horas de reflexão dos nossos melhores especialistas, com diversificadas competências até que, em Outubro de 2008, no mandato do ministro Nunes Correia vieram, finalmente, a ser criadas as ARHs. Constituíram, então, o fecho de um edifício institucional que colocou Portugal numa posição de modernidade capaz de garantir uma criteriosa gestão da água por bacias hidrográficas, nela integrando as águas superficiais – interiores, costeiras e de transição – e as subterrâneas, e permitindo, ainda, a devida articulação com as autoridades competentes de Espanha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estranhamente, a restruturação que é proposta pelo actual Governo parece ignorar todo este esforço de décadas. Na realidade está-se a dar um gigantesco passo atrás, ao propor de forma irreflectida a integração das ARHs na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) com um estatuto menor, de simples Serviços, sem a indispensável autonomia e motivação para a acção, nem a responsabilidade decisiva para a gestão das receitas das taxas de recursos hídricos, com forte risco de lhes retirar a sua função de incentivo económico da eficiente gestão da água. As taxas passam assim a ser vistas como apenas mais um imposto. O bom acolhimento que a cobrança das taxas de recursos hídricos estava a ter por parte dos utilizadores da água corre o risco de em breve vir a desaparecer e e de levar, porventura, os utilizadores da água a procurar fugir ao seu pagamento. Ficar-se-á, assim, com uma água desprotegida e degradada e também com uma diminuição do encaixe financeiro.

Pertenço ao grupo daqueles que reconhecem que a actual crise financeira do País obriga a grandes sacrifícios e que aceitam a necessidade de grandes cortes da despesa pública. Mas defendo prudência relativamente aos cortes cegos. Quando o corte gera um benefício muito inferior aos prejuízos que ocasiona algo está errado. E o caso em apreço é paradigmático, pois o que se pretende fazer com as ARHs virá a afectar de forma altamente lesiva um importantíssimo recurso deste País, tão pobre em recursos naturais. E tal prejuízo virá a afectar, significativamente, tanto as actuais como as futuras gerações. O que parece ficar barato pode sair-nos caríssimo.

Luis Veiga da Cunha
Professor Catedrático Jubilado da Universidade Nova de Lisboa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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