Desafios para a Adaptação do Litoral às Alterações Climáticas[i]

 

O litoral português, tal como acontece em muitos outros países, está sujeito à ocorrência de eventos extremos, que têm efeitos erosivos, agravados pela subida do nível médio da água do mar. A erosão costeira começou a ser registada há mais de um século e só pontualmente constituía um problema. A situação alterou-se à medida que a ocupação humana se estendeu de forma intensiva para as zonas costeiras, passando a estar vulnerável e contribuindo em algumas situações para o agravamento dos efeitos locais, o que ocorreu sobretudo a partir dos anos 60 do século passado. A construção nesta zona, há 50 anos, era de cerca de 1/10 do que é atualmente em que cerca de 75% da população portuguesa vive no litoral e 85% do PIB está também concentrado no litoral.


Portugal continental tem cerca de 976 km de extensão de linha de costa, dos quais 14% está artificializada por influência de estruturas de defesa como esporões, obras aderentes ou quebramares portuários, estando 25% afetada por erosão costeira e existindo risco potencial de perda de território em 67% da orla costeira.


Durante o século XX o nível médio da água do mar terá subido cerca de 0,15 m e estima-se que até ao final do século XXI possa subir mais de 1 m nos cenários mais gravosos (Figura 1), Antunes (2016). As alterações climáticas são uma realidade que tem contribuído para o agravamento dos temporais observados no país, implicando ainda o aumento da temperatura superficial dos oceanos, aumento do nível médio da água do mar, modificação do regime de agitação marítima, modificação da sobre-elevação meteorológica, modificação do regime de precipitação, deslocação de zonas húmidas, aceleração da erosão costeira e intensificação das inundações associadas às tempestades. Por estas razões, a compreensão, conhecimento da magnitude dos efeitos locais e a antecipação dos impactos das alterações climáticas constituem desafios para a humanidade e para a gestão sustentável da zona costeira.


Através dos instrumentos de gestão do litoral, nomeadamente a Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira (ENGIZC), os Planos de ordenamento da orla costeira (POOC), os Programas da Orla Costeira (POC), e o Plano de Ação de Proteção e Valorização do Litoral (PAPVL), são apresentados conjuntos de medidas de adaptação e de proteção suave (alimentação artificial de praias, reforço de cordões dunares), faixas de salvaguarda destinadas a absorver o recuo/erosão costeira (condicionamento à ocupação humana), medidas de abandono e medidas de recuo em alternativa à defesa com obras de engenharia tradicionais.


De uma forma geral, pretende-se uma zona costeira com identidade própria, sustentável, segura, pública, competitiva e com os usos e ocupações adaptados à mobilidade natural e à resiliência intrínseca de cada trecho costeiro.

Figura 1 – Modelo de projeção do Nível Médio da Água do Mar relativo, Mod.FC_2 (modelo 2 da FCUL), baseado na análise dos dados do marégrafo de Cascais, de 1992 a 2016, Antunes (2016).

 

Contudo, quando se analisa a verdadeira dimensão do problema e se observa o número de edifícios que ficarão em áreas costeiras vulneráveis devido à subida do nível médio da água do mar, muitos deles localizados em zonas urbanas consolidadas (Figura 2), Antunes et al. (2017), verifica-se que será necessária uma grande capacidade de adaptação e mobilização do país. De facto, deverão adotar-se estratégias diversificadas de adaptação e defesa, sendo necessário definir prioridades e estabelecer medidas de intervenção, sabendo que a planificação de intervenções de defesa costeira é um tema complexo e controverso. As soluções mais eficientes para a diminuição da vulnerabilidade apresentam custos muito elevados e as soluções mais económicas apresentam eficácia limitada, conduzindo a perdas significativas de território.

 


Figura 2 – Edifícios em áreas costeiras vulneráveis devido à subida do nível médio da água do mar incluindo sobrelevação meteorológica e sem considerar o efeito da erosão costeira, Antunes et al. (2017).

 

Deste modo, a operacionalização da estratégia para a adaptação do litoral às Alterações Climáticas requer a otimização de recursos e a mobilização da sociedade portuguesa com vista à redução da vulnerabilidade, sendo que a resposta passa por um processo iterativo de gestão do risco que contempla a definição de cenários, identificação de riscos e impactes, definição e implementação de medidas de mitigação e/ou adaptação e revisão da estratégia, considerando os prejuízos, os benefícios, a sustentabilidade, a equidade, o desenvolvimento do conhecimento científico e a atitude da população perante o risco das alterações climáticas.

 

Referências:

Antunes, C. (2016). Subida do Nível Médio do Mar em Cascais, revisão da taxa actual. Actas das 4.as Jornadas de Engenharia Hidrográfica, Instituto Hidrográfico. ISBN – 978-989-705-097-8.

Antunes C., Rocha C. e Catita C. (2017). Cartografia de Inundação e Vulnerabilidade Costeira. In: www.snmportugal.pt

[i]Texto produzido pela CEZCM – 23/10/2020 – relator: R. Lança

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