Influência da troca catiónica no quimismo da água no aquífero cretácico de Aveiro

Título:

Influência da troca catiónica no quimismo da água no aquífero cretácico de Aveiro

Resumo:

As formações cretácicas de Aveiro constituem um importante sistema multiaquífero por serem a principal fonte de água da região. É formado por três conjuntos multicamada, de litologia essencialmente gresosa com intercalações argilosas, conjuntos esses que apresentam piezometrias, quimismos e produtividades diferentes. Como resultado da intensa exploração destes recursos hídricos, observa-se um decréscimo significativo dos níveis piezométricos, principalmente na zona central e mais próxima do litoral, verificando-se já inversão local do sentido do fluxo natural, actualmente de mar a terra, o que poderá conduzir a problemas de intrusão marinha na faixa litoral Estudando o quimismo destas águas, constata-se uma evolução hidrogeoquímica segundo a direcção geral de fluxo SE-NW, caracterizada principalmente pelo abrandamento junto ao litoral, acompanhado pelo aumento dos teores em sódio e, embora menos significativo, em cloretos. O objectivo deste trabalho foi o de investigar se a capacidade de troca catiónica das intercalações argilosas, poderia justificar tal evolução no quimismo das águas do Cretácico desta região. Foram identificados três níveis argiloso-margosos, escuros e quase sempre micáceos, com expressão regional, que se podem considerar correspondentes aos denominados “black shales”, relacionados com a abertura e desenvolvimento do Oceano Atlântico. Em 34 amostras de cuttings de sondagens representativas desses três níveis argilosos, foi determinanda a capacidade de troca catiónica (CTC) global da fracção <63 mm, assim como os catiões de troca individuais: sódio, potássio, cálcio e magnésio. Os valores da CTC global obtidos são, de um modo geral, relativamente baixos, variando entre 2.6 e 30.2 meq/100g, correspondendo ao que seria de esperar para a fracção granulométrica analisada (fracção fina) e estando de acordo com as associações de minerais argilosos presentes nestes níveis. Verifica-se que os valores são mais baixos na parte norte da zona estudada, enquanto que os valores mais altos são os dos níveis a sul de Aveiro, o que pode ser explicado pela variabilidade lateral das associações de minerais argilosos, mais cauliníticas a norte, evoluindo para mais ilitico-esmectíticas a sul. É também a sul que se registam as variações verticais mais significativas, já que a norte os valores são mais homogéneos, o que será devido à ocorrência de uma associação de minerais argilosos mais dominada pela esmectite em alguns níveis (em regra, o nível 2) das sondagens situadas a sul. Os valores da CTC em muitas amostras representativas dos níveis 1 e 2 a sul de Aveiro são muito menores que a soma dos catiões de troca determinados. Este facto poderá ser explicado pela dissolução de calcite já que os níveis 1 e 2 se encontram, respectivamente, na base e no topo da Formação Carbonatada, extingindo-se esta lateralmente para N/NW da região. Outra hipótese para explicar o “excesso” de cálcio na parte sul é haver transferência lateral de águas carbonatadas, provenientes do Jurássico, possibilidade que vai no mesmo sentido da hipótese anterior. Na parte norte a soma dos catiões de troca é ligeiramente inferior ao valor da CTC, pelo que julgamos que a diminuição da dureza das águas captadas junto ao litoral, associado ao “excesso” de sódio que apresentam, se pode explicar como resultado deste importante fenómeno modificador, conhecido por intercâmbio de bases. Neste caso, existirá um processo de flushing e não de intrusão marinha, pelo menos nas condições actuais, embora o sentido do fluxo subterrâneo hoje existente na zona litoral, nitidamente de mar a Terra, possa provocar no futuro entrada de água marinha. O desconhecimento das condições de fronteira nesse sector litoral (por falta de dados da porção submarina), não permite, por enquanto, responder a este problema. Em resumo, foi possível concluir que:

  • na parte norte da área estudada, a CTC dos três níveis argilosos é menor do que a sul devido ao predomínio do mineral argiloso caulinite, sendo os valores obtidos para os três níveis bastante homogéneos;
  • na parte sul, existe discrepância entre os valores de CTC e a soma dos catiões de troca obtidos para os três níveis argilosos que se poderá atribuir à dissolução de minerais carbonatados ou à transferência subterrânea de águas carbonatadas do Jurássico;
  • na parte norte, ao não existir a Formação Carbonatada nem entrada de águas carbonatadas, pode concluir-se que o abrandamento das águas poderá ser atribuído à reacção das águas continentais com a matriz argilosa. Estamos em presença de um processo de flushing, que consiste na expulsão de águas marinhas congénitas, com importante intercâmbio de bases: as aguas doces continentais cedem à fracção argilosa iões cálcio e magnésio, tornam-se muito brandas e recebem, em troca, sódio.
Autores:

Teresa I. F. Oliveira, Fernando T. Rocha, Manuel A. Marques da Silva

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