Análise e mitigação de secas usando o SPI uma aplicação regional ao Algarve

Título:

Análise e mitigação de secas usando o SPI uma aplicação regional ao Algarve

Resumo:

As Secas são um fenómeno natural de grande complexidade, que afecta vastas áreas e numerosas populações do mundo. Diferem de outros riscos naturais devido ao seu carácter imprevisível, à sua instalação lenta e progressiva, aos seus impactes disseminados e não-estruturais, e à ausência de uma definição precisa e universal. Apesar das abordagens tradicionais serem unidisciplinares, a natureza complexa e difusa das Secas exige uma abordagem interdisciplinar, integrando as avaliações do risco e da vulnerabilidade, e cruzando factores naturais e antrópicos, de forma a construir um diagnóstico integrado do perigo que o fenómeno representa para a sociedade. Todos estes vectores se cruzam no território sobre o qual o fenómeno se exprime, e que deve por isso constituir a sua charneira de análise e resposta às Secas: é nesta matriz territorial, interdisciplinar e integradora, que a Geografia tem um campo privilegiado de trabalho, que deve partir do diagnóstico físico, passar por uma avaliação das disponibilidades hídricas com base num balanço de oferta e procura, e concluir com o diagnóstico das formas e métodos de organização social e política que a Sociedade utiliza para reduzir a sua vulnerabilidade. A análise tradicional das Secas tem-se baseado em complexas ferramentas de quantificação, tais como índices e modelos, que limitam uma comunicação directa e fluente entre cientistas, decisores e cidadãos. No entanto, a eficácia dessa comunicação é globalmente reconhecida como uma componente essencial da mitigação de Secas. Paralelamente, grande parte destas análises unidisciplinares restringe-se ao período de Seca especificado em função da componente ou sector afectado, cujos impactes e escalas temporais divergem largamente. O SPI (Standard Precipitation Index) surge em 1993 para dar resposta a estas limitações. As suas recentes aplicações têm revelado este índice como uma ponderosa ferramenta pela sua simplicidade, que apenas requer séries mensais longas de precipitação, e permite calcular 4 das principais dimensões do fenómeno: duração, intensidade, magnitude, e frequência. Adicionalmente, o índice pode ser calculado utilizando diferentes escalas temporais, o que é de extrema utilidade na cobertura dos diversos impactes e dos diferentes tempos de resposta de cada um dos sistemas hídricos afectados – por exemplo, agricultura e água no solo numa escala de 6 meses, abastecimento público de superfície e produção hidroeléctrica a 12 meses, abastecimento subterrâneo e recarga de aquíferos a 24 meses. No presente trabalho o SPI é aplicado a duas escalas, 12 e 24 meses, a 12 séries longas de precipitação no período comum 1946-2003, relativas a postos de medição no Algarve, região sujeita a frequentes e intensos períodos de Seca, e a uma crescente pressão da procura no consumo de água. Apresentam-se os pressupostos e o processo de cálculo do índice, e os vários passos seguidos no tratamento e preparação prévias das séries utilizadas – selecção das séries e do período comum, utilização de anos climatológicos, colmatação de lacunas, avaliação de homogeneidade. Define-se em seguida a metodologia utilizada no cálculo dos diversos parâmetros utilizados na identificação e caracterização dos eventos, e analisam-se os períodos de Seca comuns, como forma de abordar a sua extensão e cobertura espacial. As principais conclusões que se podem retirar da análise dos dados são que:

    i) a Seca de 1954 a 1960 em Alcoutim pode ser considerada como o evento mais longo e severo registado na região;
    ii) no resto dos postos, esse evento máximo ocorre aproximadamente no período de 1980 a 1984;
    iii) a Seca verificada entre 1974 e 1976, juntamente com os dois eventos atrás referidos, são aqueles que apresentam maior extensão espacial na região.

Os dados obtidos são inconclusivos no que toca a eventuais tendências na distribuição dos eventos ao longo do período de análise, que é sobretudo marcado pelos eventos isolados atrás referidos. Seria fácil concluir que há uma maior severidade dos eventos durante a segunda metade da série, mas isso seria encobrir o facto de tal se dever à localização temporal relativa da Seca de 80. Aliás, da análise global dos cálculos efectuados e respectivos resultados, pode-se antes concluir que, dada a variabilidade climática intrínseca do clima mediterrânico, devem ser utilizadas séries mais longas para a caracterização da ocorrência de Secas numa região, bem como para a eventual detecção de tendências ou padrões evolutivos. Infelizmente, no caso do Algarve, essa opção restringe a análise a dois postos de medição: Faro (1895-2004) e São Brás de Alportel (1909-2004). A utilização das diferentes escalas do SPI é de particular interesse para relacionar as ocorrências com os seus impactes em diversos sectores da actividade humana. O diferencial de tempo com que o SPI 24 detecta idênticos períodos face ao SPI 12 (no fundo, o “atraso” com que responde a um défice de precipitação), evidencia os diferentes tempos que medeiam na resposta dos diversos sistemas a uma redução da precipitação. Os caudais das linhas de água, a água retida no solo, os níveis de armazenamento das albufeiras, e os dos aquíferos, respondem de facto progressivamente mais tarde quer à falta de chuva, quer ao seu regresso, e é nessas diferenças do tempo de resposta que o SPI encontra um campo de aplicação mais vantajoso. O SPI demonstra assim uma elevada capacidade de diagnosticar e analisar os eventos de Seca a nível regional, e de definir e quantificar as suas principais características e dimensões, bem como um grande potencial na monitorização das condições actuais, e na comunicação dos seus resultados a todos os decisores envolvidos na mitigação dos impactes e na resposta ao fenómeno.

Autores:

Afonso do Ó

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