Conciliação de conflito dentro da política brasileira de recursos hídricos – O caso do sistema Canta

Título:

Conciliação de conflito dentro da política brasileira de recursos hídricos – O caso do sistema Canta

Resumo:

Os atos públicos realizados para o atendimento de necessidades sociais pelo uso das águas não podem gerar ou perdurar conflitos desconsiderando o processo de tomada de decisão e a necessária pactuação de metas e responsabilidades das partes afetadas no processo. Este não foi o caso da outorga do direito de uso do Sistema Cantareira, responsável pelo atendimento de cerca de 9 milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), praticado durante o período do regime militar no Brasil, em outro âmbito político e legal com relação à gestão das águas no país. A emissão da outorga do Sistema Cantareira naquele momento permitiu o enraizamento de um conflito pelo uso da água entre duas bacias hidrográficas potencializado nas últimas três décadas pelo aumento da demanda tanto na RMSP quanto na bacia do rio Piracicaba. Somente um novo ato legal, no entanto, poderia vir a promover a revisão desse procedimento e buscar, então, mitigar os conflitos existentes. Este foi o grande desafio do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos sob a vigência do novo modelo jurídico instalado a partir da lei nº 9.433, de 1997: mostrar que os novos princípios da legislação brasileira, descentralizando e tornando participativo o processo deliberativo, pudesse resolver o conflito pelas águas do Cantareira e permitir o monitoramento do seu uso evitando que o mesmo pudesse recresdecer. O Sistema Cantareira atende ao abastecimento de cerca de 9 milhões de pessoas na cidade de São Paulo. Foi concluído em 1982 e vem operando a transposição de 31 m3/s da bacia do rio Piracicaba para a RMSP. A outorga do Sistema Cantareira, inicialmente foi concedida pelo Ministério de Estado das Minas e Energia – MME, por meio da Portaria nº 750, de 05 de agosto de 1974, assinada pelo então Ministro Shigeaki Ueki, publicada em 08 de agosto de 1974, com validade por 30 anos.O Sistema Cantareira é composto por reservatórios localizados em rios de domínio da União e do Estado de São Paulo e a bacia hidrográfica de contribuição para esses reservatórios também abrange rios de domínio do Estado de Minas Gerais. Desta forma, verifica-se que a renovação da outorga do Sistema Cantareira, cuja vigência findaria no dia 08 de agosto de 2004, exigiu grande esforço técnico e institucional, tendo em vista o equacionamento das questões que envolviam a necessidade do abastecimento de cerca de 9 milhões de habitantes na RMSP e de mais de 4 milhões na bacia do rio Piracicaba. Desde a implantação do Sistema Cantareira os operadores dos sistemas de abastecimento de água nas Bacias PCJ reclamam que a diminuição da quantidade de água vem causando sérios problemas para a captação da água bruta, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo. A ANA é a entidade pública federal com a função de implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos definida pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Dentre as suas atribuições legais estabelecidas no Art. 4º da lei nº 9984, de julho de 2000, está o outorgar, por intermédio de autorização, o direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio da União. O DAEE é a entidade pública do Estado de São Paulo com a função de emitir a outorga de direito de uso de recursos hídricos em corpos de água de domínio paulista. Para o caso Cantareira caberia ao DAEE a emissão da outorga de direito de uso das águas dos rios estaduais (Atibainha, Jacareí, Cachoeira e Juqueri), afluentes ao Sistema. Cabe aos Comitês PCJ, ainda, em conformidade com a lei nº 9.433/97, promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes além de arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos. No âmbito dos Comitês das Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Comitês PCJ) foi criado pela Deliberação Conjunta do Comitês PCJ nº 006/03, de 10/12/2003, o ‘Grupo de Trabalho sobre a renovação da outorga de direito de uso dos recursos hídricos do Sistema Cantareira’, denominado GT-Cantareira, com a atribuição de promover discussões sobre as questões específicas da renovação da outorga do Sistema Cantareira envolvendo, principalmente, as Câmaras Técnicas dos Comitês PCJ, destacando-se a necessária integração com os trabalhos de elaboração do Plano das Bacias PCJ 2004-2007. Foram realizadas 11 reuniões, incluindo uma apresentação e discussão pública do relatório elaborado realizada na cidade de Campinas, em 5 de maio de 2004. Em Reunião Ordinária Conjunta dos Comitês PCJ, realizada em 01/06/2004, em Valinhos, foi aprovada a Deliberação Conjunta 007/2004 com os seguintes anexos: Anexo I: Relatório Técnico do GT-Cantareira; Anexo II: Condicionantes para a outorga, medidas compensatórias e acordo regional com a SABESP, e Anexo III: relação dos participantes nas reuniões e na Apresentação Pública. Entre as condicionantes para a outorga, aprovadas pelos Comitês PCJ estão:o prazo de vigência de 10 anos; o estabelecimento de vazões mínimas para as Bacias PCJ de 4 a 7 metros cúbicos por segundo e a máxima para a Região Meropolitana de São Paulo de 31 metros cúbicos por segundo, decrescendo até 2014; a instituição do “banco de águas” e a implantação de rede de monitoramento quali-quantitativa. Os Comitês PCJ definiram que os itens relativos à recuperação e conservação ambiental que não fossem considerados para efeito de atendimento à legislação referente à outorga de direito de uso em questão, fariam parte de uma negociação e acordo, no âmbito dos Comitês PCJ, devendo, posteriormente, ser consolidados em um Termo de Compromisso. Entre as medidas, podem ser destacadas como conquistas importantes na nova outorga, a garantia de vazões mínimas para as Bacias PCJ; o compartilhamento da operação do Sistema Cantareira; a instalação de um ‘banco de águas’ (reserva de água nas épocas de cheia para uso nos períodos de estiagem), constituído nos próprios reservatórios do Sistema Cantareira; o compromisso de que a SABESP realize o tratamento de esgotos nos municípios em que opera nas Bacias PCJ; o controle das perdas nas redes de distribuição e a implementação de ações que aumentem a recarga dos lençóis freáticos. A SABESP deverá, também, realizar estudos e projetos que visem à diminuição da sua dependência em relação ao Sistema Cantareira. A outorga do Sistema Cantareira foi renovada pela Portaria DAEE 1213, de 06/08/2004.

Autores:

Wilde Cardoso Gontijo Júnior, Luiz Roberto Moretti

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