Experiências no modelo de gestão participativa dos recursos hídricos – Comitê da bacia hidrográfica

Título:

Experiências no modelo de gestão participativa dos recursos hídricos – Comitê da bacia hidrográfica

Resumo:

1 ASPECTOS GERAIS
O trabalho em questão apresenta e discute as principais ações e acontecimentos do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco em seus três anos de existência, na visão dos autores, que participam como membros da diretoria do comitê e como coordenadores de câmaras técnicas. Apesar da ainda breve existência, o Comitê, composto por sessenta membros titulares e igual número de suplentes, tem tido um trabalho árduo e rico em experiências, por força da importância da bacia do rio São Francisco e de questões vitais pendentes, como o planejamento dos usos múltiplos de suas águas, a necessidade de revitalização da bacia, a demanda por transferência de águas destinada a outras regiões. A bacia do rio São Francisco tem cerca de 640.000 km2 de área distribuída em seis estados brasileiros mais o Distrito Federal. Apresenta enorme variação de clima, relevo, solos, cobertura vegetal, ocupação humana, agrícola e industrial. A composição do Comitê busca retratar a diversidade regional, cultura, étnica, dos setores de produção, em síntese, o extrato social presente na bacia. Suas ações se estendem além das reuniões plenárias, como consultas públicas e atividades técnicas continuas, desenvolvidas tanto por membros do Comitê como por convidados de universidades, órgãos gestores estaduais, empresas públicas e privadas que se agregam ao trabalho, sem nenhuma remuneração, no propósito da causa comum de servir aos interesses da sociedade. Palavras-chave: comitê de bacia, gestão participativa, rio São Francisco, conflitos de uso da água.

2 O SISTEMA BRASILEIRO DE GERENCIAMENTO DE RECURSOS HÍDRICOS
Em 1997 foi sancionada a Lei no 9.433, a qual instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, referenciada popularmente como Lei das Águas, tendo como um de seus princípios a adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento. No âmbito da Lei foi criado o Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos, no qual se organiza estruturalmente a gestão dos recursos hídricos no país por bacia hidrográfica, tendo como integrantes o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados, órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais cujas competências se relacionam com a gestão de recursos hídricos, os Comitês de Bacias Hidrográficas e as Agências de Água.

3 CONFLITOS POTENCIAIS NO APROVEITAMENTO DAS ÁGUAS DA BACIA
A vazão média na foz do rio São Francisco é de aproximadamente 2.850 m3/s. Para se obter uma vazão garantida para fins de geração de energia, foram construídos dois grandes reservatórios de regularização na calha do rio São Francisco: Três Marias e Sobradinho. O primeiro acumula até 19 bilhões de m3 e regulariza uma vazão de 517m3/s. O segundo tem capacidade de 34 bilhões de m3 e regulariza uma vazão de 1.815m3/s, quando somada à regularização de Três Marias. Considerando-se essas vazões regularizadas, estima-se a vazão com 95% de garantia na foz do rio em 1.850m3/s. Atualmente as outorgas de direito de uso da água já emitidas para os rios perenes da bacia do rio São Francisco representam um potencial consumo de 335 m3/s. Estudos considerados pelo plano da bacia, no entanto, indicam um consumo efetivo atual de 91 m3/s, ou seja, 27% do consumo outorgado. Esta diferença sinaliza no sentido de reavaliar os procedimentos e critérios de outorga, apropriando a água de forma mais eficiente às necessidades hídricas dos empreendimentos, bem como revisando as outorgas já emitidas.

4 O COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO – MOTIVAÇÃO
A criação do CBHSF envolveu a mobilização de aproximadamente seis mil pessoas em processo único na história do país. Foram realizados, entre maio e junho de 2002, 37 encontros regionais de sensibilização e mobilização, espalhados pela bacia, que resultaram na eleição, em outras 27 reuniões, dos 60 membros titulares e outros 60 suplentes. Entre as ações desenvolvidas pelo comitê no período maio de 2004/maio de 2005, merecem destaque:

    • Organização para suporte às decisões do comitê, a partir do trabalho voluntário de dezenas de profissionais de renome que se incorporaram ao trabalho das câmaras técnicas;
    • Acompanhamento, mudanças e aprovação do plano decenal da bacia;
    • Definição de diretrizes para o uso das águas da bacia a partir das análises, proposições, recomendações e conclusões do plano;
    • Ação continuada em prol da revitalização da bacia;
    • Esforço para negociar os conflitos de uso, notadamente aqueles relacionados à transferência de água para usos externos à bacia.

Este primeiro mandato dos membros do comitê foi marcado principalmente pelo conflito de interesses definidos por duas grandes metas:

    • Criação de um grande programa de revitalização da bacia
    • Transposição de água do rio São Francisco para regiões semi-áridas do Nordeste externas à bacia.

A luta por um programa estruturado de revitalização da bacia hidrográfica, dadas as décadas de agressões ao meio ambiente ocorridas, tem sido a principal bandeira de luta levada pelas organizações sociais aos seus representantes no comitê. Por outro lado, a representação do governo federal empenhou-se durante todo o período em evitar o surgimento de quaisquer barreiras que viessem a comprometer a realização da transferência de águas para as regiões externas. Concluído o plano, entre outras deliberações o comitê aprovou resolução segundo a qual o uso externo estava condicionado apenas ao abastecimento humano e animal, devidamente comprovada a necessidade. Essa decisão gerou um conflito de interesse com o governo federal, que recorreu ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, conseguindo ganho de causa contra a restrição aos usos externos. O Ministério de Integração Nacional pretende iniciar as obras neste ano, não obstante ações jurídicas e pesadas manifestações públicas em contrário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Da nossa participação no Comitê da Bacia do rio São Francisco, adquirimos a percepção da complexidade do processo de decisão, dado que:a decisão demanda que sejam levadas em conta diferentes dimensões: institucionais, legais, ambientais, políticas e econômicas, sujeitas a múltiplas intencionalidades, relações de força e poder; envolve esforços no sentido da busca de consensos entre os diversos grupos e indivíduos que têm interesses sociais, econômicos e políticos, em geral conflitantes. O modelo de gestão dos recursos hídricos, baseado na participação da sociedade, resulta em processo amplo de negociação entre os atores sociais envolvidos configurando-se como rede social. Somente essa realidade permitirá a construção de alternativas viáveis nos campos técnico e social e politicamente legítimas.

Autores:

José Almir Cirilo, Marcelo Cauás Asfora, Yvonilde Medeiros Dantas, Luiz Carlos Fontes

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