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Problema costeiro (coastal problem)

Genericamente, um problema significa uma dificuldade na obtenção de um resultado esperado. Ele é geralmente associado a dúvidas, incertezas e impedimentos.

Na literatura de gestão costeira, diversos trabalhos citam, classificam e analisam os problemas costeiros. Viles & Spencer (1995) propõem, por exemplo, que os problemas costeiros sejam classificados e analisados de acordo com o tipo específico de ambiente costeiro que é afetado, isto é, problemas que afetam as dunas, problemas que afetam os recifes de coral, e assim por diante. O mau planejamento turístico, o declínio do setor pesqueiro, a erosão e a expansão urbana são alguns dos problemas costeiros tipicamente citados na literatura e que também estão presentes no continente europeu (Comissão Européia, 2001).

Um problema ocorre quando existe qualquer disfunção em um ou mais subsistemas costeiros (o físico-natural, o sócio-econômico e o jurídico-administrativo), resultando em um desenvolvimento não sustentável (Barragán, 2003). A própria zona costeira é considerada um espaço-problema, em função da abundância de atores sociais e conflitos que ali convergem. Aquilo que é tipicamente identificado como um problema é, para Barragán (2003), apenas a conseqüência de uma seqüência de etapas originada por deficiências do sistema social e organizativo (isto é, gerencial). Essas deficiências permitem que certas atividades humanas se tornem disfuncionais, causando impactos negativos sobre aquela própria atividade ou sobre outras, ou ainda sobre o ambiente natural, e que constituem o que os diversos atores sociais percebem como sendo problemas costeiros. Como exemplo dessa decomposição dos problemas pode-se citar a erosão costeira no litoral do Paraná (Brasil), que é rotineiramente identificada como um problema. Contudo, uma interpretação possível é a de que essa erosão só se tornou um problema quando a atividade da construção civil atuou intensamente na orla marítima, colocando seres humanos e propriedades públicas e privadas demasiadamente próximas a um ambiente sabidamente dinâmico do ponto de vista sedimentar – as praias arenosas. Dessa forma, a verdadeira origem do problema pode ser vista como uma deficiência administrativa (gerencial), que falhou em estabelecer áreas de recuo e em implantar um maior ordenamento da ocupação do solo naquelas áreas que hoje sofrem as conseqüências da erosão costeira.

Os problemas costeiros não são parecidos com os demais problemas que as pessoas ou grupos de pessoas enfrentam. Eles são peculiares, isto é, eles possuem características únicas que os diferenciam dos demais problemas. Os problemas que os gestores enfrentam são perversos, complexos, ardilosos. Segundo Rittel & Webber (1973), os problemas perversos diferem dos problemas convencionais em diversos aspectos, entre os quais se destaca:

  1. São difíceis de definir ou diferenciar de outros problemas maiores, sendo que sua definição é um construto que depende da perspectiva do ator social que apresenta o problema. Tais perspectivas são comumente influenciadas por diferentes visões de mundo, valores, interesses e ideologias;
  2. Não existem soluções técnicas inequívocas para esses problemas. Ao contrário, as soluções são rotineiramente julgadas como boas ou más, dependendo da perspectiva daqueles que avaliam aquela solução;
  3. Contrariamente aos cientistas, que podem frequentemente abusar da estratégia de tentativa-e-erro, os gestores não podem ser dar ao luxo de errar na solução desses problemas, em função das importantes conseqüências humanas e econômicas de cada escolha;  
  4. A lista de possíveis soluções para o problema não é uma lista exaustiva. Normalmente, uma série de possíveis soluções simplesmente não é considerada, e tal distinção é baseada novamente no julgamento daqueles que são responsáveis pela solução do problema;
  5. Cada problema é essencialmente único. O gestor não pode ter certeza que uma determinada diferença entre dois problemas não seja decisiva e não se sobreponha a todas as similaridades entre os dois problemas considerados, dificultando a geração de padrões de problemas e de soluções;

Diversos problemas ambientais globais, como segurança alimentar, resíduos sólidos, poluição e mudanças climáticas são perversos, no sentido de que suas conseqüências são enormes, as decisões precisam ser tomadas urgentemente, mas os fatos são incertos e os valores são questionados (Turnpenny et al., 2009). Segundo Kenchington (1994), os problemas da zona costeira australiana atendem claramente os critérios de perversidade descritos acima.

Jentoft & Chuenpagdee (2009) argumentam que os problemas que o setor pesqueiro enfrenta são nitidamente perversos.  A redução dos estoques pesqueiros é causada por processos naturais, antropogênicos ou uma combinação dos dois? Qual o estoque ideal de biomassa a ser mantido? Caso se decida por um plano de recuperação desse estoque, qual deve ser a velocidade de sua implementação? A manutenção do estoque em um nível adequado deve ser a única preocupação ou outras preocupações devem ser incorporadas? Segundo esses autores, a ciência não é capaz de responder sozinha essas questões, pois elas são essencialmente políticas, envolvendo diferentes prioridades, interesses, éticas e ideologias. As estratégias para lidar com os problemas perversos incluem a proposição da ciência pós-normal (Funtovicz & Ravetz, 1993), associada a uma estratégia de governança ambiental (Jordan et al., 2003). [WMW]   / Conflito  / Ator Social

Barragán, J M. M. (2003) - Médio ambiente y desarrollo em áreas litorales – Introduccíon a la planificación y gestíon integradas. Servicio de Publicaciones Universidad de Cádiz. Cadiz.
Comissão Européia (2001) - A União Europeia e as zonas costeiras. Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Européias. Luxemburgo.
Funtovicz, S. & Ravetz , J. (1993) - Science for the post-normal age. Futures, 25(7):739-755.
Jentoft, S. & Chuenpagdee, R. (2009) - Fisheries and coastal governance as a wicked problem.  Marine Policy, no prelo.
Jordan, A.; Wurtzel, R. & Zito, A. (2003) - ‘New’ instruments of environmental governance: Patterns and pathways of change. Environmental Politics, 12(1):1-24.
Kenchington, R.A. (1994). An overview of some key issues in achieving strategic planning in Australia's Coastal Zone, In: Proceedings of Coast to Coast Conference, 29 June - 4 July 1994, Hobart. Dept of Environment and Land Management, Hobart, Tasmania.
Rittel, H. W. J. & Webber, M. M. (1973) - Dilemmas in a general theory of planning. Policy Sciences, 4:155-169.
Turnpenny, J.; Lorenzoni, I. & Jones, M. (2009) - Noisy and definitely not normal: responding to wicked issues in the environment, energy and health. Environmental Science & Polic,y 12:347-358.
Viles, H. & Spencer, T. (1995) - Coastal problems – geomorphology, ecology and society at the coast. Eduard Arnold, London.