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Ondas Marinhas (I. marine waves) TERMO BASE

As ondas marinhas são ondas mecânicas superficiais, que transferem energia (perturbações) através da água. Essa energia é transmitida ao oceano pelo vento (como é o caso das ondas que se vêm rebentar na praia), pela força gravítica da Lua e do Sol (caso das marés), por um evento sísmico ou qualquer processo que provoque modificação brusca do fundo marinho (caso dos tsunamis).

 

Tipos de Ondas
A generalidade das ondas marinhas são ondas superficiais, pois que se deslocam ao longo de uma superfície que separa dois meios contrastantes, como acontece na superfície marinha que separa o meio hídrico do meio atmosférico. As ondas internas, muito frequentes em meio marinho (e, mesmo, em meios estuarinos e lagunares estratificados) são também ondas superficiais visto que se deslocam ao longo de uma superfície que separa duas massas de água com características diferentes, como é o caso da superfície constituída pela picnoclina que separa duas massas de água com densidades diferentes. Quando estas ondas internas têm frequências semelhantes às da maré são designadas por marés internas.

Em geral, são ondas progressivas, isto é, movem-se (progridem) relativamente à superfície terrestre, transferindo perturbações (energia) de um ponto (por exemplo, do local onde o vento actua a superfície oceânica) para outro (em geral o litoral). Porém, nalguns casos, correspondem a ondas estacionárias, ou seja, os pontos nodais estão fixos e os pontos antinodais são oscilatórios (correspondem sucessivamente a cristas e a cavas). A onda está, consequentemente, sempre na mesma posição, e a resultante da transferência de energia é nula. Matematicamente, estas ondas estacionárias são concebidas como a sobreposição de duas ondas progressivas iguais que se movem em direcções opostas.

As ondas provocadas por forças periódicas (como é o caso da atracção gravitacional induzida pela Lua e pelo Sol) têm períodos semelhantes aos das forças geradoras dessas ondas, como se verifica com as marés. Porém, a maior parte das ondas marinhas são geradas por perturbações não periódicas, como acontece com os tsunamis (provocados, entre outros, por sismos superficiais com epicentro no mar) e com as ondas geradas pelo vento. Nestes casos, as partículas (moléculas) de água são deslocadas da sua posição de equilíbrio e para o readquirir precisam da actuação de uma força de restauro. É o movimento das partículas resultante da actuação dessa força de restauro durante um ciclo da onda que fornece a força de deslocamento que actuará no ciclo seguinte. Esta sucessão alternada de deslocamentos e restauros estabelece o movimento oscilatório característico das ondas, de forma sinusoidal. Nas ondas superficiais marinhas as duas principais forças de restauro são a força gravitacional exercida pela Terra, e a tensão superficial da água (que tende a manter as moléculas juntas de forma a exporem a menor superfície possível ao ar). Ambas as forças são importantes na manutenção das ondas.

Quando as ondas têm comprimentos de onda muito pequenos (tipicamente inferiores a 1,7cm), a principal força de restauro é a tensão superficial da água. São as denominadas ondas capilares que se formam à superfície da água devido à actuação do vento e que, devido à tensão superficial, rapidamente desaparecem quando o vento deixa de actuar. Todavia, na grande maioria das ondas marinhas (cujos comprimentos de onda são bastante maiores do que o aludido, podendo os períodos ser mesmo superiores a 20 segundos) a principal força de restauro é a da gravidade, pelo que se designam por ondas gravíticas. Ondas com períodos superiores a 30 segundos são apelidadas de ondas infra-gravíticas, e normalmente resultam de interacções harmónicas não lineares de grupos de ondas gravíticas.

Quando os períodos das ondas gravíticas estão compreendidos entre cerca de 8 e 25 segundos essas ondas designam-se por ondulação, e correspondem a ondas muito energéticas geradas pelo vento em regiões distantes. Se o período é inferior a 8 segundos as ondas denominam-se vagas, sendo resultantes da actuação do vento local, não tendo havido tempo (e distância) suficiente para que este transmitisse à superfície oceânica grande quantidade de energia.

É de referir que, por vezes, ocorrem inusitadamente grandes ondas, com altura bastante superior às das ondas do estado do mar da altura, que podem ser bastante perigosas. Essas ondas (ocasionalmente com mais de 30 metros de altura), designadas por ondas de Rogue, foram durante muito tempo consideradas como mitos que se transmitiam no meio da marinhagem. Porém, foram-se acumulando provas da sua existência real, tendo uma destas ondas sido registada, em 1995, no Mar do Norte, por equipamentos científicos instalados na plataforma petrolífera Draupner. As ondas de Rogue registadas por equipamentos científicos passaram a ser designadas, com frequência, por ondas de Draupner. Porém, ainda não se conhecem bem os processos que geram tão grandes ondas.

 

Geração e desenvolvimento das ondas
Como se referiu, a maior parte das ondas marinhas são geradas pelo vento. Tal acontece porque sempre que dois fluidos estão em contacto mas têm velocidades diferentes, o que tem maior velocidade, devido ao atrito, transfere energia para o que tem velocidade menor. Sob efeito do vento e das tensões por ele criadas a superfície livre do oceano começa a sofrer deformação, gerando-se pequenas ondas com cristas arredondadas e cavas em forma de "V" e com comprimentos de onda muito curtos, inferiores a 1,74cm, isto é, geram-se ondas capilares, que a tensão superficial da água tem tendência para esbater, restaurando a superfície lisa da água. À medida que o vento continua a actuar sobre a superfície hídrica estas ondas (que constituem obstáculos) vão-se progressivamente desenvolvendo, transformando-se em ondas gravíticas, o que permite maior exposição ao vento e, consequentemente, maior transferência da energia. O vento exerce maior pressão nos flancos das ondas voltadas para o lado de onde este sopra, e sendo menor a pressão no lado oposto, do que resultam gradientes de pressão que desenvolvem vórtices.  Com a continuação do processo as ondas vão aumentando de altura, de comprimento e de velocidade. Este modelo de formação de ondas, conhecido pela designação de modelo do escudo, foi desenvolvido por Jeffreys (1891–1989) em 19251.

Esquema representativo do modelo do “escudo” de desenvolvimento das ondas.

 

Verifica-se que o desenvolvimento das ondas não é significativo até que a velocidade do vento excede 1m/s. Porém, com ventos mais fortes as ondas aumentam rapidamente de altura e velocidade até esta corresponder a cerca de um terço da velocidade do vento. A partir desta altura o ritmo de  crescimento das ondas passa a ser cada vez mais moderado, de forma que a velocidade das ondas, por maior que seja o fetch, nunca iguala a do vento. Tal acontece porque da energia que o vento transmite à superfície oceânica: a) alguma é convertida numa corrente hídrica superficial; b) alguma é dissipada através de processos de fricção; c) alguma é dissipada através do transporte de partículas arrancadas às cristas das ondas e que o vento movimenta mais rapidamente do que as próprias ondas, o que acaba por reforçar a corrente superficial.

Se o fetch é suficientemente grande atinge-se um estado de equilíbrio em que o vento transmitiu toda a energia possível à superfície oceânica formando ondas. A partir desse momento a energia é dissipada pelas ondas (pelos processos acima aludidos) à mesma razão que a recebe do vento. Atinge-se, assim, o estado de mar completamente desenvolvido em que a energia das ondas já não aumenta. Todavia, como o vento sopra em geral com velocidades variáveis (rajadas) e com direcções não homogéneas, as ondas resultantes não são uniformes, verificando-se variabilidade nas características (e direcção) das ondas. Estabelece-se, assim, um campo de ondas.

Espectro energético de ventos com 20, 30 e 40 nós. A área de cada cor é representativa da energia total do estado do mar correspondente. Os valores entre parêntesis são as alturas médias das ondas de cada estado do mar.

 

Transformação e dispersão das ondas
Como se referiu, na área de geração o campo de ondas é caracterizado por elevada variabilidade mas, em geral, a declividade das ondas é elevada. Quando saem da área de geração a velocidade do vento vai diminuindo progressivamente e, normalmente, as ondas acabam por se deslocar a velocidade maior do que a do vento. Nestas condições, a declividade das ondas diminui verificando-se uma selecção das ondas de acordo com o seu comprimento (e período), sendo o mar irregular da zona de geração substituído por um mar bastante mais regular, em que as ondas apresentam características mais uniformes. Por outras palavras, vai-se constituindo a ondulação. Como a velocidade é proporcional ao comprimento de onda,

em que c é a velocidade (celeridade), g a força da gravidade e L o comprimento de onda

as ondas com maior comprimento de onda deslocam-se mais rapidamente do que as que têm menor comprimento. Esta separação de ondas é conhecida pela designação de dispersão das ondas e, por isso, por vezes, a equação expressa é também designada por equação de dispersão. A presença de ondas com características algo diferentes conduz a fenómenos de interferência diversificados, os quais tendem a resultar em ondas com características mais constantes. Por outro lado, ocorrem também fenómenos de interacção não linear entre as ondas com frequências diferentes, em consequência dos quais se verifica transferência de energia das ondas com maior e menor frequência para as ondas com frequências intermédia. A ondulação é, assim, reforçada.

Espectros energéticos na área da geração e longe de área de geração.

 

A energia transmitida pelo vento para a superfície oceânica é, deste modo, transferida para áreas distantes. Estas ondas com grande comprimento de onda podem percorrer grandes distâncias (por vezes vários milhares de quilómetros) com pequena dispersão de energia.

Na realidade, em oceano aberto, onde a profundidade é grande, a energia não é realmente transportada pelas ondas individuais, mas sim por grupos de ondas, os quais se deslocam a velocidade que é aproximadamente igual a metade da velocidade das ondas individuais.

Cerca de 90% da energia transmitida à superfície oceânica na área de geração propaga-se num ângulo de 45º para cada lado da direcção do vento, o que significa que as ondas se vão deslocando de acordo com um arco de círculo cujo comprimento vai sendo progressivamente maior.

Consequentemente, a energia por metro linear da crista da onda vai diminuindo por forma a manter a energia total  aproximadamente constante. Como a energia transportada pelas ondas é proporcional à sua altura, as ondas vão progressivamente diminuindo de altura.

 

Aproximação à costa
Não obstante a dispersão da energia devida ao aumento de comprimento do arco de círculo correspondente à propagação das ondas a partir da área de geração, e dos fenómenos de atenuação da energia das ondas (como a transformação em energia cinética através das partículas que são arrancadas das cristas das ondas e acabam por reforçar a corrente associada, e como  a energia que as ondas dissipam por atrito devido à resistência do ar quando se propagam em áreas de calmaria ou de ventos contrários), a energia da ondulação quando esta se aproxima da costa é ainda, com frequência, muito grande.

À medida que as ondas se vão aproximando da costa deixam o domínio de águas profundas e passam para águas intermédias e, finalmente, para águas pouco profundas, começando a interagir com o fundo progressivamente com maior intensidade. As orbitas das partículas que, em águas profundas, eram circulares passam, abaixo da superfície, a ser elipsoidais, sendo o achatamento das órbitas cada vez maior à medida que a distância ao fundo diminui. A velocidade da onda começa a ser determinada pela profundidade da coluna de água, e como esta vai diminuindo a progressão da onda vai sendo cada vez mais lenta. Como o ritmo de transmissão de energia tem que ser, como é evidente, constante, e como as ondas se deslocam progressivamente  menor velocidade, estas têm que se acomodar por forma a manter o constante ritmo aludido. Sendo a energia da onda função da sua altura, havendo diminuição da velocidade a onda reage aumentando a altura da onda, fenómeno este que, com frequência, se designa por empolamento da onda.

Órbitas das partículas nas ondas. Em águas profundas as órbitas são circulares, embora o raio diminua à medida que se desce na coluna de água. Em águas pouco profundas, devido a interacção com o fundo, as órbitas correspondem a elipses sendo cada vez mais achatadas na direcção do fundo, até que junto a este apenas existe um movimento de vai e vem.

 

Nestas condições, principalmente em águas pouco profundas, a onda sofre uma série de processos de interacção com o fundo, designadamente de refracção e de difracção. Nessas interacções com o fundo a onda vai dissipando alguma energia, nomeadamente através da remobilização de sedimentos depositados no fundo. Tal não resulta, forçosamente, em transporte sedimentar de partículas de um lado para o outro, isto é, em transporte com resultante não nula. Sob acção exclusiva da onda, as partículas deslocam-se num movimento de vai e vem em torno de uma posição média, sendo a resultante do movimento nula. Porém, tal pode contribuir para alguma modificação das características das partículas sedimentares, nomeadamente no que se refere ao seu rolamento e esfericidade. Existe apenas transporte sedimentar efectivo quando se verifica simultaneamente a presença de um fluxo hídrico (corrente), o que é uma situação normal.

Devido aos fenómenos de refracção da onda existe tendencialmente convergência dos raios de onda para as partes salientes da costa
(cabos), e divergência nas partes reentrantes (baías), ou seja, concentração de energia nos primeiros e dispersão nas segundas. Estabelecem-se, assim, gradientes energéticos das partes salientes da costa para as partes reentrantes que definem o sentido do transporte sedimentar, o que tem como consequência que, em termos gerais, os sedimentos porventura existentes junto aos cabos sejam transportados e se acumulem nas baías, formando praias.

O transporte sedimentar é apenas uma das várias formas de dissipação da energia da onda. A maior parte da energia é, contudo, dissipada através da rebentação e do espraiamento da onda. Porém, por vezes, principalmente quando o pendor da praia é grande ou quando existem estruturas artificiais de engenharia costeira verticais ou sub-verticais, a energia da onda não é totalmente dissipada, sendo a energia remanescente reflectida para o oceano, onde vai interagir com a onda incidente. Nestas condições geram-se, com frequência, ondas estacionárias que têm grande importância na morfologia da praia (emersa e submersa). [JAD]    

/ Onda; / Refracção

1 Jeffreys, H. (1925) - On the formation of water waves by wind, Proc. Soc. Lond. A, 107:189-206.